RANGEL ADVOCACIA

Mantida condenação do BB em mais de R$ 40 milhões por execução indevida de empréstimo original de R$ 1 mil

​A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve julgamento do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS) que, em análise de ação rescisória, negou pedido do Banco do Brasil para reverter condenação de mais de R$ 40 milhões originada de um contrato de empréstimo para a compra de dez vacas e um touro – que, à época dos fatos, em 1991, correspondia ao equivalente a R$ 1 mil. 

Por maioria de votos, o recurso do banco foi parcialmente provido apenas para reduzir a indenização por danos morais, de R$ 200 mil para R$ 10 mil, mantidos os demais termos do acórdão do TJMS.  

De acordo com os autos, a cédula de crédito rural emitida para a compra dos animais era de quase 3 milhões de cruzeiros (correspondentes a cerca de R$ 1 mil). Em 1993, o Banco do Brasil ajuizou ação de execução contra o cliente, com o valor da dívida correspondendo a cerca de R$ 15 mil. No ano 2000, o banco informou nos autos que a dívida atualizada era de R$ 724 mil.

Posteriormente, o cliente ajuizou contra o BB ação revisional e de indenização, pleiteando a declaração de inexistência da dívida – que, segundo ele, seria de R$ 2 mil e já teria sido quitada –, além de condenação da instituição financeira ao pagamento em dobro do valor exigido indevidamente e à reparação de danos morais. Esses pedidos foram integralmente acolhidos pelo TJMS.

Má-fé e enriquecime​​nto

Contra a decisão do tribunal de segunda instância, o BB ajuizou ação rescisória, a qual foi julgada procedente em parte, para fixar o valor dos danos morais em R$ 200 mil, sem alteração dos outros pontos da condenação.

No recurso ao STJ, o BB questionou sua condenação por má-fé, que motivou a obrigação de pagar em dobro o valor cobrado judicialmente. Segundo o banco, a obrigação de pagar em dobro deveria observar o valor efetivamente desembolsado pelo cliente, e não o total da dívida cobrada na execução.

Ainda de acordo com a instituição, haveria nos autos a caracterização de enriquecimento sem causa do cliente, que receberia indenização de mais de R$ 40 milhões em demanda revisional de empréstimo para a compra de uma dezena de vacas e de um touro.

Expropriação e ​prisão

Relator do recurso especial, o ministro Luis Felipe Salomão destacou que o TJMS, ao analisar a ação rescisória, entendeu que decisão judicial anterior comprovou a ocorrência de má-fé do banco, o qual, mesmo após o pagamento da dívida original, obteve a expropriação dos animais adquiridos pelo cliente, requereu sua prisão – meio coercitivo permitido na época – e ainda apresentou um cálculo de execução de R$ 724 mil, quando o contrato de empréstimo correspondia ao equivalente a R$ 1 mil.

“Com efeito, não se constata qualquer dissonância entre a decisão rescindenda e a jurisprudência desta corte, que exige a verificação de prática de conduta maliciosa ou reveladora de perfil de deslealdade (má-fé) do credor para fins de aplicação da sanção civil prevista no artigo 940 do Código Civil” – explicou o ministro, ao ressaltar que não seria possível reanalisar provas para alterar essa conclusão do TJMS, nos termos da Súmula 7 do STJ.

Em relação ao suposto enriquecimento sem causa, segundo Salomão, a corte sul-mato-grossense esclareceu que a condenação não guardava relação com a quantia de R$ 2 mil a que se referia a ação originária do BB, mas sim ao montante reconhecidamente indevido, de R$ 724 mil, executado pelo banco.

Imposição ​​​legal

Esse entendimento, para o ministro, está em consonância com o artigo 940 do Código Civil, segundo o qual aquele que demandar por dívida já paga de forma integral ficará obrigado a pagar ao devedor o dobro do que houver cobrado.

“O acórdão rescindendo, portanto, tão somente aplicou o disposto no artigo 940 do Código Civil, que, textualmente, impõe a incidência da sanção de pagamento em dobro do valor cobrado (e não do valor pago) àquele que demanda por dívida já quitada”, disse o relator.

Apesar de manter os principais termos da condenação do banco, a turma entendeu que o valor dos danos morais foi exorbitante, tendo em vista que já houve a aplicação de sanção ao banco, nos termos do artigo 940, e que, além disso, alguns atos decretados nos autos da execução – como a prisão do devedor – não chegaram a ser efetivados.