A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) anulou a condenação por improbidade administrativa de três ex-prefeitos de Porto Alegre – Tarso Genro, Raul Pont e João Verle –, denunciados por contratar profissionais de saúde sem a realização de concurso público ou processo seletivo sumário.
O colegiado manteve a conclusão do relator, ministro Napoleão Nunes Maia Filho, de que não é possível identificar conduta dolosa dos ex-prefeitos com o objetivo de ofender o princípio do concurso público, uma vez que há lei municipal que autoriza esse tipo de contratação.
Em 2002, o Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS) ajuizou ação civil pública por improbidade administrativa contra o município, os três ex-prefeitos e profissionais da saúde, após verificar que, em diferentes períodos, foram realizadas contratações temporárias para cargos desse setor com base na Lei Municipal 7.770/1996.
O MPRS argumentou que a contratação prevista na lei deveria ocorrer apenas em caso de necessidade temporária de excepcional interesse público; no entanto, a demanda do município por profissionais de saúde seria permanente e haveria candidatos aprovados em concurso aptos à nomeação que teriam sido preteridos. Para o MPRS, a contratação violou os princípios constitucionais da legalidade, da impessoalidade, da moralidade administrativa e do concurso público.
Na Justiça estadual, os ex-prefeitos foram condenados à suspensão dos direitos políticos por cinco anos, multa civil de R$ 10 mil e proibição de contratar com o poder público e dele receber benefícios e incentivos fiscais por três anos.
Elemento subjetivo
O ministro Napoleão Nunes Maia Filho afirmou que, de acordo com a Lei de Improbidade Administrativa, a má conduta do agente público pode resultar em enriquecimento ilícito próprio ou alheio (artigo 9°), prejuízo ao erário (artigo 10) ou infringência aos princípios nucleares da administração pública previstos no artigo 37 da Constituição (artigo 11).
Segundo o relator, a conduta do agente, nos casos dos artigos 9° e 11 da Lei 8.429/1992, deve ser sempre dolosa – “por mais complexa que seja a demonstração desse elemento subjetivo” –, podendo ser culposa apenas nas hipóteses do artigo 10. “Em nenhuma das hipóteses legais se diz que possa a conduta do agente ser considerada apenas do ponto de vista objetivo, gerando a responsabilidade objetiva”, disse.
O ministro ressaltou que, em situações semelhantes à dos autos, o STJ tem entendido que não caracteriza ato de improbidade previsto no artigo 11 a contratação de servidores sem concurso baseada em legislação municipal, “por justamente nesses casos ser difícil de identificar a presença do elemento subjetivo necessário (dolo genérico) para a caracterização do ato de improbidade violador dos princípios da administração pública”.
Paralisia dos serviços
No caso dos autos, Napoleão Nunes Maia Filho ressaltou que as contratações dos profissionais de saúde tinham por objetivo atender casos de emergência, combater epidemias e satisfazer atividades especiais e sazonais. O ministro também enfatizou que a lei local que embasou as admissões de pessoal não teve a constitucionalidade questionada no processo.
Para o relator, as contratações temporárias são normalmente realizadas no início da gestão, como forma de evitar a paralisia dos serviços públicos – ainda que, em algumas situações, os administradores tenham “uma difusa leitura da realidade” que os leva a optar pela contratação temporária em vez de prestigiar os aprovados em seleção pública.
No entanto, o ministro lembrou que, para a condenação por ato de improbidade, é preciso que o Ministério Público demonstre o intuito do agente de atentar contra os princípios básicos da administração.
“A prática maleficente, que compõe o núcleo do ato ímprobo, como elementar do ilícito, não foi verificada na hipótese em testilha, razão pela qual sobreveio daí o juízo de total improcedência da pretensão ministerial, no tocante à materialidade do ato ímprobo”, concluiu o ministro.
Leia o acórdão.