RANGEL ADVOCACIA

Recursos do Fundo Partidário não podem ser penhorados nem por dívida de propaganda eleitoral

​​​​A regra da impenhorabilidade de recursos do fundo partidário – prevista, entre outros normativos, no artigo 833, inciso XI, do Código de Processo Civil – é válida mesmo que a dívida tenha sido originada em uma das formas de aplicação expressamente previstas pelo artigo 44 da Lei dos Partidos Políticos – como os serviços de propaganda eleitoral. Essa impossibilidade é justificada pela natureza pública dos recursos repassados ao fundo, cujo patrimônio é protegido de qualquer constrição judicial.

A tese foi fixada pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao acolher recurso especial interposto pelos diretórios do Partido dos Trabalhadores (PT) e do Movimento Democrático Brasileiro (MDB) no Distrito Federal. Por unanimidade, o colegiado reformou acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) que havia autorizado a penhora de valores do fundo até o limite de uma dívida originada por prestação de serviço de propaganda política.

O recurso teve origem em pedido de cumprimento de sentença formulado por uma gráfica, que tentava receber cerca de R$ 708 mil por serviços de propaganda eleitoral prestados à campanha do então candidato ao governo do Distrito Federal Agnelo Queiroz, da coligação Novo Caminho, formada por PT, MDB (ainda com o nome PMDB) e outros partidos. Após o prazo para pagamento voluntário, a gráfica requereu a penhora pelo sistema BacenJud, por meio do qual foram bloqueados aproximadamente R$ 192 mil.

Contra a decisão, o MDB argumentou que os valores bloqueados seriam oriundos do Fundo Partidário – e, portanto, deveriam ser considerados impenhoráveis, nos termos do artigo 833, inciso XI, do CPC. 

O pedido de desbloqueio foi acolhido em primeiro grau, mas o TJDFT reformou a decisão. Segundo o tribunal, a impenhorabilidade dos recursos públicos do Fundo Partidário não é absoluta, permitindo-se algumas exceções, a exemplo – como no caso dos autos – de dívida contraída para a aquisição de bens e serviços para propaganda partidária, rubrica expressamente prevista pelo artigo 44 da Lei 9.096/1995.

Fortalecimen​​​to democrático

Relator do recurso dos partidos no STJ, o ministro Luis Felipe Salomão lembrou que, no regime democrático, o auxílio financeiro prestado pelo Estado aos partidos políticos tem como principal justificativa o fortalecimento da própria democracia. Para o cumprimento desse objetivo, o ministro apontou que se impõe aos partidos a exigência de movimentar os recursos do Fundo Partidário por meio de conta bancária exclusiva, como forma de viabilizar o controle da Justiça Eleitoral sobre sua destinação.

No mesmo sentido, o relator lembrou que o artigo 44 da Lei dos Partidos Políticos estabelece a destinação vinculada dos valores do fundo – formado, entre outras fontes, de recursos públicos (como dotações orçamentárias e multas aplicadas pelo poder público) e privados (como doações de campanha). Entre as hipóteses legais de uso dos recursos, está exatamente a propaganda doutrinária e política.

“Os valores oriundos do Fundo Partidário destinam-se, como se percebe da leitura das aplicabilidades previstas numerus clausus, a fazer frente às despesas do partido político, a fim de viabilizar materialmente a consecução de suas atividades”, afirmou o ministro.

Contr​​​ole rígido

Segundo Salomão, os recursos do Fundo Partidário encontram em sua natureza pública e na finalidade vinculada a razão de serem impenhoráveis. Essa orientação, destacou, é a mesma do Tribunal Superior Eleitoral, como especificado na Resolução 23.604/2019.

Em seu voto, Luis Felipe Salomão também destacou que, embora os recursos do fundo sejam incorporados ao patrimônio do partido político – que possui personalidade de direito privado –, o controle de utilização dessas verbas é rígido, sob pena de desperdício e mau uso do dinheiro público.

“Entendo ser incabível a incidência da constrição judicial sobre valores oriundos do Fundo Partidário, não havendo como amparar a evocada penhorabilidade, com base na natureza do débito executado, que, portanto, relativizaria o óbice”, declarou o ministro. Para ele, isso se deve não apenas ao fato de se tratar de recursos públicos, “mas muito especialmente pela nobreza do escopo de sua previsão”.

Apesar da impossibilidade de penhora nesses casos, Salomão ressalvou que o patrimônio dos partidos é composto de bens públicos e privados, sendo possível, assim, a penhora de outros recursos financeiros partidários que não aqueles que compõem o fundo.