RANGEL ADVOCACIA

Quarta Turma decide que provedores devem identificar quem postou vídeos com ofensas a Marielle Franco

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que os provedores de acesso à internet devem fornecer os dados cadastrais (nome, endereço, RG e CPF) dos usuários responsáveis pela publicação de vídeos no YouTube com ofensas à memória da vereadora Marielle Franco (PSOL), do Rio de Janeiro, assassinada em 2018 com seu motorista, Anderson Gomes. A decisão foi unânime.

Para o relator, ministro Luis Felipe Salomão, é possível exigir das empresas que forneçam esses dados, ainda que elas não tenham sido parte do processo em que houve o requerimento.

Na origem do caso, a irmã e a companheira de Marielle Franco ajuizaram ação contra o Google (administrador do YouTube) pedindo a remoção de vídeos ofensivos à vereadora, o que foi concedido em primeiro grau e confirmado pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ).

No entanto, a corte estadual rejeitou o pedido das autoras para que, mediante a quebra do sigilo de dados, fossem enviados ofícios aos provedores de acesso com a determinação de que fornecessem a identificação dos responsáveis pelos vídeos. O TJRJ considerou que a ação original não trazia esse pedido e, além disso, seria impossível impor essa obrigação aos provedores, os quais não eram parte do processo.

No recurso ao STJ, as autoras da ação alegaram que a identificação dos usuários pelas empresas de internet é mera consequência do processo, decorrente do dever legal de guardar os registros de conexão, previsto na Lei 12.965/2014 (Marco Civil da Internet).

Obtenção judicial de dados protegidos pelo sigilo

Segundo o ministro Luis Felipe Salomão, o pedido de identificação dos usuários está em consonância com a causa de pedir da petição inicial. A jurisprudência do STJ – acrescentou – permite ao magistrado extrair da interpretação lógico-sistemática da petição aquilo que a parte pretende obter com a ação.

Para o relator, os pedidos feitos pelas autoras traduzem a finalidade do provimento judicial que esperam: a preservação da honra da falecida, mediante a retirada de conteúdos ofensivos da internet e a obtenção dos dados dos responsáveis para eventuais ações de reparação, o que tem amparo no artigo 22 do Marco Civil da Internet.

Com base em vários precedentes do STJ, Salomão entendeu que o acórdão recorrido contrariou a legislação e se afastou da jurisprudência mais recente. “É entendimento pacífico da corte, nos termos do artigo 22 do Marco Civil da Internet, a necessidade da intervenção judicial, diante de indícios de ilicitude, para obtenção de dados protegidos pelo sigilo, como forma de instruir processos cíveis e criminais”, declarou.

“Estando presentes indícios de ilicitude na conduta dos usuários que inseriram os vídeos na rede mundial de computadores e, ainda, por ser o pedido específico, voltado tão apenas para a obtenção dos dados dos referidos usuários – a partir dos IPs já apresentados –, penso que a privacidade do usuário, no caso concreto, não prevalece”, afirmou.

Autor de ato ilícito deve ser identificado

O magistrado acrescentou que o caso analisado não envolve a condenação de terceiro. De acordo com Salomão, a situação dos autos se refere à hipótese de deveres impostos a terceiros a fim de auxiliar o cumprimento de ordens judiciais, na forma dos artigos 77 e 139 do Código de Processo Civil (CPC).

“No caso específico em debate, a jurisprudência da casa é firme em apregoar que a responsabilidade dos provedores de internet, quanto a conteúdo ilícito veiculado em seus sites, envolve também a indicação dos autores da informação”, observou.

De acordo com o ministro, o entendimento mais recente do STJ (REsp 1.622.483) quanto ao dever de identificar o internauta ofensor reconhece a obrigação do provedor de acesso de, uma vez provocado pelo Poder Judiciário, fornecer, com base no IP, os dados cadastrais do autor do ato ilícito, ainda que em data anterior à Lei 12.965/2014.

Ao dar provimento ao recurso especial, o ministro lembrou ainda que a decisão do colegiado não entra em conflito com as determinações da Lei Geral de Proteção de Dados (Lei 13.790/2018), pois a LGPD não exclui a possibilidade da quebra de sigilo, mas, sim, apresenta regras sobre tal ocorrência.