O procurador Flávio Amaral Garcia destacou o tema arbitragem e mediação como um dos focos da I Jornada de Direito Administrativo, evento promovido pelo Centro de Estudos Judiciários (CEJ) do Conselho da Justiça Federal (CJF), de 3 a 7 de agosto de 2020, em formato virtual.
“Vivemos tempos de métodos não adversariais na resolução das controvérsias. A mediação encontra um campo fértil na administração pública”, comentou.
As jornadas de direito buscam delinear posições interpretativas sobre as normas vigentes, adequando-as às inovações legislativas, doutrinárias e jurisprudenciais, por meio do debate entre especialistas e professores, com a produção e publicação de enunciados.
Seis comissões de trabalho foram formadas para a apreciação e seleção das propostas de enunciados. As comissões são integradas por especialistas convidados pelo CJF.
O professor e procurador do Rio de Janeiro Flávio Garcia é um dos coordenadores científicos da comissão responsável pelos temas processo administrativo, arbitragem e mediação, responsabilidade civil do Estado, desapropriação e intervenção do Estado na propriedade. O ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Sérgio Kukina preside esta comissão, que conta com a professora Maria Cristina Cesar de Oliveira.
Flávio Garcia atua nas áreas de contratação pública, regulação e arbitragem, tanto na advocacia pública como na advocacia privada. Procurador estadual no Rio de Janeiro, é doutor em direito público pela Universidade de Coimbra, e professor de pós-graduação e de escolas de magistratura.
Na sua opinião, qual é a importância da Jornada de Direito Administrativo no universo jurídico?
Flávio Garcia – O debate científico, dialógico e amplamente democrático é o traço mais importante da jornada. Não existe limitação ou restrição à participação. Advogados, servidores públicos, juízes, acadêmicos, estudantes podem participar oferecendo sugestões de enunciados sobre os mais variados temas do direito administrativo.
O direito administrativo vem sendo objeto de impactantes mutações e transformações nas últimas décadas. É, portanto, uma oportunidade para a comunidade jurídica promover um franco debate sobre os temas mais atuais e relevantes, a partir de uma perspectiva amplamente democrática.
Quais são os resultados práticos esperados desse evento?
Flávio Garcia – Espera-se a produção de enunciados que reflitam o estado da arte do direito administrativo do século XXI. Os enunciados serão importantes vetores hermenêuticos nos mais variados temas, auxiliando os operadores do direito na compreensão contemporânea dos assuntos mais relevantes e polêmicos.
O direito administrativo que vivenciamos na atual quadra é complexo, dinâmico, sofisticado e profundamente desafiador. Vivemos tempos de incerteza e transformações rápidas e radicais na sociedade, nos meios de comunicação e na forma como nos relacionamos, em razão, principalmente, da avassaladora evolução tecnológica. Tudo isso impacta diretamente a relação do Estado com a sociedade, com os cidadãos e com o mercado.
A produção de enunciados amadurecidos a partir de um amplo debate com a comunidade jurídica poderá, certamente, captar esse momento riquíssimo e instigante do direito administrativo.
Processo administrativo, arbitragem e mediação, desapropriação e intervenção do Estado na propriedade, responsabilidade civil do Estado. Em sua análise, algum desses temas merece maior destaque e discussão? Se sim, qual e por quê?
Flávio Garcia – Todos os temas são relevantíssimos e de destacada importância para os operadores do direito, bem como para os próprios administrados.
Entretanto, se necessário for destacar um tema, certamente não hesitaria em mencionar a arbitragem e a mediação. Na compreensão da dogmática contemporânea do direito administrativo, a arbitragem e a mediação apresentam-se como mecanismos de solução de controvérsias que podem desafogar o Judiciário.
A mediação permite que as partes tenham autonomia na solução dos seus próprios conflitos, a partir do pressuposto da consensualidade e de uma nova ótica na compreensão e na gestão do conflito. Vivemos tempos de métodos não adversariais na resolução das controvérsias. A mediação encontra um campo fértil na administração pública que poderá, por meio das suas câmaras de autocomposição estruturadas no âmbito das advocacias públicas, contribuir para a redução dos litígios levados ao Judiciário.
A arbitragem destaca-se no universo das contratações administrativas de elevada expressão econômica e complexidade. A previsão de cláusulas compromissórias nos contratos de concessão e de parceria público-privada já é uma realidade, sendo de fundamental importância à segurança jurídica dos negócios, possibilitando a atração de novos investimentos para a infraestrutura do país. Os conflitos em contratos complexos, incompletos e sofisticados certamente se sucederão. E precisamos refletir seriamente sobre os mecanismos que poderão contribuir para a resolução mais célere e eficiente de tais conflitos.
Entretanto, como são temas relativamente novos, geram dúvidas na sua aplicação e nos limites, a demandar uma sistematização lógica, racional e eficiente por parte dos operadores jurídicos; daí a enorme valia dos enunciados que serão produzidos na I Jornada de Direito Administrativo.
É possível definir a efetividade da contribuição dos enunciados para a melhor aplicação do direito administrativo?
Flávio Garcia – A ideia de condensar entendimentos em enunciados milita a favor da segurança jurídica e da transmissão do conhecimento. Todos aqueles que atuam no direito administrativo, seja na área pública ou privada, sabem da importância de se consultar súmulas editadas no âmbito do Poder Judiciário, dos tribunais de contas ou mesmo da advocacia pública.
O enunciado que será produzido na jornada apresenta feição distinta, porquanto não representa a visão isolada de uma instituição, mas o entendimento filtrado a partir de amplo debate com toda a comunidade jurídica.
A capacidade de sintetizar ideias em enunciados ou em súmulas administrativas é um desafio para todos aqueles que as elaboram, dada a necessidade de síntese em temas que se apresentam, não raro, com bastante complexidade e com distintos pontos de vista.
Mas a verdade é que o operador do direito administrativo do século XXI precisará manejar, com frequência cada vez maior, mecanismos e instrumentos que tenham, na objetividade e na simplicidade, os seus pressupostos. Os enunciados refletem essa tendência, e estou certo de que produzirão profundo impacto nas decisões judiciais e administrativas.
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