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Ministro Humberto Martins defende valorização de cultura de precedentes do STF e do STJ em palestra internacional

​​”A consolidação da cultura de precedentes não vai somente diminuir a sobrecarga dos tribunais, mas também aumentar a segurança jurídica no país. Isso beneficia toda a sociedade”, declarou o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Conselho da Justiça Federal (CJF), ministro Humberto Martins, ao defender nesta quarta-feira (25) o fortalecimento da aplicação das teses jurídicas firmadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo STJ. Ele proferiu palestra por videoconferência no curso Tutela Jurisdicional e Solução de Conflitos em uma Perspectiva Comparada: Europa-Brasil. O evento internacional foi promovido pela Accademia Juris Roma, sediada em Roma.

De acordo com o presidente do STJ, o sistema processual brasileiro passou por uma série de alterações ao longo das últimas décadas, “para que os entendimentos dos tribunais de vértice sejam observados por todos”.

O ministro também chamou a atenção para o processo cultural em curso, de reforço dos precedentes das cortes superiores a partir do impacto do conceito de função nomofilácica – elaborado na obra do jurista italiano Piero Calamandrei – na jurisprudência e na doutrina brasileiras.

Histórico ​​legal

Humberto Martins traçou um panorama legislativo desde o surgimento das súmulas da jurisprudência do STF, por iniciativa do ministro Victor Nunes Leal. “Como sabemos, todos os tribunais usam súmulas para buscar a racionalização dos entendimentos”, disse.

O presidente do STJ destacou que o principal avanço seguinte foi a criação dos institutos jurídicos da súmula vinculante e da repercussão geral no âmbito do STF, por meio da Emenda Constitucional 45/2004. “Era necessário estabelecer dispositivos processuais para fortalecer a aplicação dos entendimentos do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça pelos demais órgãos jurisdicionais”, declarou.

No caso do STJ, Martins ressaltou a implementação do sistema dos recursos repetitivos – trazido pela Lei 11.672/2008 –, “pelo qual é possível afetar casos exemplares para que haja um julgamento uniformizador de jurisprudência”. O ministro lembrou que o rito dos repetitivos e o instituto da repercussão geral foram ampliados pelo atual Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015). “Existem debates legislativos no sentido de fortalecer ainda mais a vinculação de precedentes”, acrescentou.

Função nomofilá​​cica

O ministro explicou que a função nomofilácica expressa o papel dos tribunais superiores na manutenção da integridade do direito. Ele discorreu sobre o desenvolvimento do conceito por Piero Calamandrei, que analisou a atuação da Corte de Cassação da Itália — equivalente, em linhas gerais, ao STJ.

Segundo Martins, o jurista italiano verificou a ocorrência de uma mudança na compreensão jurídica da função de cassação. “Começaram a entender que devia ser usada para realizar uma estabilização de entendimentos judiciários, os quais poderiam servir de orientação tanto aos tribunais quanto à comunidade jurídica como um todo”, resumiu.

Ele apontou a influência do direito italiano na comunidade jurídica brasileira. Além de referências doutrinárias, o presidente do STJ citou exemplos de menções a Calamandrei na jurisprudência, como no caso de voto do ministro do STF Teori Zavascki no julgamento da Reclamação 4.335. “O ministro explicou o novo papel do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça que vem sendo construído em relação à estabilização da jurisprudência”, comentou.

Ape​​rfeiçoamento

O presidente do STJ afirmou que a evolução da cultura de precedentes no país depende do aprimoramento da legislação processual e do aprofundamento do tema pela doutrina e pela jurisprudência. Ele frisou que o STF e o STJ vêm buscando continuamente “fixar teses claras e objetivas” para melhorar a prática diária do uso da repercussão geral e dos recursos repetitivos.

Além disso, Martins destacou a importância da informatização do processo judicial. “Estamos com projetos de incorporação de tecnologias novas, como a inteligência artificial, para melhorar os julgamentos e a disponibilização de jurisprudência”, relatou.

Debat​​es

O conselheiro Roberto Conti, da Corte de Cassação da Itália, abordou o papel do tribunal ao “fixar princípios de direito para operar em uma grande generalidade”, além do caso concreto. O magistrado também chamou a atenção para o atual cenário em que os juízes italianos vêm decidindo com base nos precedentes da Corte Europeia de Direitos Humanos (CEDH). “Acaba sendo o novo papel de colocar no mesmo patamar os direitos internos e os direitos fundamentais supranacionais”, observou.

Ex-juiz da CEDH, o jurista português Paulo Pinto de Albuquerque listou casos concretos envolvendo brasileiros em processos da corte europeia. Para o professor de direito, essas causas revelam o impacto significativo da jurisprudência europeia “não só na vida dos cerca de meio milhão de brasileiros que vivem na Europa, mas também em relação aos brasileiros que vivem no país de origem”.

Já o secretário de Altos Estudos do STF, Alexandre Freire, detalhou as soluções encontradas pelo tribunal para manter o funcionamento em um “momento tão dramático” de pandemia, quando “muitas cortes supremas deixaram de prestar jurisdição”. Ele trouxe dados estatísticos revelando que, até novembro, o STF julgou 6.218 processos e proferiu 7.293 decisões relacionadas à Covid-19.​