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Para Mauro Campbell, jornada pode ajudar a superar impasses na aplicação do direito administrativo

O ministro Mauro Campbell Marques, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), acredita que a I Jornada de Direito Administrativo – a ser realizada de 3 a 7 de agosto, em formato virtual – poderá ajudar a encontrar soluções para impasses que frequentemente envolvem a aplicação das normas desse ramo do direito e o sistema de freios e contrapesos (checks and balances) que assegura a harmonia entre os poderes.​​​​​

O ministro Mauro Campbell Marques preside uma das comissões temáticas da jornada. | Foto: Gustavo Lima/STJ

Nesta entrevista, ao avaliar a importância da jornada, o ministro – que atua em colegiados de direito público e na Corte Especial do STJ – diz esperar que ela traga “luzes às cortes superiores, sobretudo ao Superior Tribunal de Justiça, na formação de sua jurisprudência”.

A I Jornada de Direito Administrativo é uma promoção do Centro de Estudos Judiciários (CEJ) do Conselho da Justiça Federal (CJF). As jornadas de direito do CEJ/CJF buscam delinear posições interpretativas sobre as normas vigentes, adequando-as às inovações legislativas, doutrinárias e jurisprudenciais por meio do debate entre especialistas, com a produção e publicação de enunciados.

Seis comissões de trabalho foram formadas para apreciação e seleção das propostas de enunciados de direito administrativo. Mauro Campbell Marques preside a comissão responsável pelos temas regulação, agências reguladoras, serviço público e atividade econômica, intervenção do Estado no domínio econômico e autorização. 

Ministro do STJ desde 2008, ele preside a comissão de juristas responsável pela elaboração do anteprojeto de reforma da Lei de Improbidade Administrativa ‒ instituída pela Câmara dos Deputados em 2018 – e a Comissão Permanente de Desburocratização da Administração Pública Brasileira, do Senado Federal. O magistrado integra a Corte Especial, a Primeira Seção e a Segunda Turma do tribunal, e também é diretor da Revista do STJ.

Mauro Campbell Marques é autor e coordenador de diversas publicações, entre as quais o livro Improbidade Administrativa – Temas atuais e controvertidos (Forense, 2016).

Na sua opinião, qual é a importância da Jornada de Direito Administrativo no universo jurídico? 

Mauro Campbell ‒ O direito administrativo é, sem dúvida, uma das áreas mais significativas do direito contemporâneo. Como ramo do direito que regula a administração pública ‒ sua organização, seus serviços e suas relações com os cidadãos ‒, está apto a registrar comandos normativos para a realização dos fins públicos, garantindo melhor eficiência na regulação jurídica do poder administrativo do Estado.

Dentre as mais diversas definições doutrinárias, costumo ressaltar as breves palavras da mestra Maria Sylvia Zanella Di Pietro. Segundo ela, esse é o ramo do direito que regula a “atividade jurídica não contenciosa do Estado”. E completo: com vistas, sobretudo, a garantir a supremacia do interesse público e estabelecer ferramentas aptas a gerir, entre outros, os limites de atuação do administrador público, as formas de gestão dos bens públicos, a responsabilidade administrativa do Estado, as compras e os serviços no âmbito administrativo e a regulação dos serviços públicos. 

Se, de um lado, há uma complexidade de regras e normas que compõem o direito administrativo – o que, por si só, é capaz de ensejar inúmeros questionamentos judiciais quanto às atividades estatais –, o fato é que, de outro, o sistema de checks and balances impõe ao Judiciário o respeito à atividade tipicamente administrativa discricionária de outro poder. Esses dois pontos, antagônicos em sua essência, muitas vezes levam a um impasse na solução judicial de questões de alta indagação jurídica. Nesse contexto, um palco de debates sem limites condicionantes – in casu, a Jornada de Direito Administrativo – pode, a meu sentir, permear o encontro de soluções que melhor atendem a coletividade. 

Quais são os resultados práticos esperados desse evento? 

Mauro Campbell – Espera-se discutir temas que não encontraram, no cenário atual, um consenso interpretativo minimamente convincente. Espera-se que, por meio das proposições a serem debatidas nas plenárias, temas relevantes para o segmento possam ser discutidos entre os participantes das mais diversas áreas do direito que estiverem representadas. Após cada qual contribuir com sua área de expertise e chegar-se, ao fim, a uma proposição aprovada, o produto final desejável é que cada proposição sintetize uma melhor forma de pensar os problemas atuais e os vindouros para as questões ali positivadas. Por certo, muitas delas, se já não estiverem judicializadas, em algum momento estarão. Assim, não é demais esperar que o fruto desse trabalho seja capaz de trazer luzes às cortes superiores, sobretudo ao Superior Tribunal de Justiça, na formação de sua jurisprudência. 

Em sua análise, é possível conferir efetividade aos enunciados para a melhor aplicação do direito administrativo?

Mauro Campbell – Desde que a redação esteja clara, com a escorreita exposição da problemática que as antecedeu, acho muito possível conferir efetividade às proposições. Claro que temas extremamente técnicos – os quais exigem um exame detalhado de elevado número de legislações, indicando que ao intérprete é dado o uso da interpretação sistêmica para chegar a um resultado aceitável – não encontrarão, nessa metodologia reduzida de definição de pensamento jurídico, a melhor forma de demonstrar raciocínio. Contudo, entendo não ser esse ponto motivo de preocupação, tampouco capaz de minimizar os aspectos positivos do método.

Leia mais sobre a I Jornada de Direito Administrativo​​.

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