Após 31 anos de uma marcante atuação no Supremo Tribunal Federal, o ministro Celso de Mello encerra sua trajetória na Corte nesta terça-feira, dia 13. Sua história no Tribunal se entrelaça com a da própria Constituição Federal, promulgada menos de um ano antes da chegada do decano à Corte. Nesse período, entre 1989 e 2020, o Brasil e o mundo sofreram grandes mudanças políticas, econômicas e sociais.
Essas mudanças tiveram reflexo na Suprema Corte brasileira, na consolidação da nova Carta e na construção de uma jurisprudência ante a nova ordem constitucional. Desde então, lá estava Celso de Mello atuando em defesa das liberdades individuais, da livre manifestação do pensamento, da garantia dos direitos das minorias e da independência do juiz em seu ofício. “Sem juízes independentes jamais haverá cidadãos livres neste país”, reitera, sempre que possível, o ministro.
José Celso de Mello Filho chegou ao STF aos 43 anos, em 17 de agosto de 1989, por indicação do então presidente da República José Sarney, para ocupar a cadeira de número 3 da linha sucessória, inaugurada em 1891 e pela qual passaram outros onze ministros até sua posse. Ele assumiu a vaga decorrente da aposentadoria do ministro Rafael Mayer, que presidiu o STF quando da proclamação da nova Constituição, em 1988.
Logo que ingressou, o ministro Celso de Mello passou a compor o colegiado da Primeira Turma na companhia dos ministros Moreira Alves, Sydney Sanches, Octavio Gallotti e Sepúlveda Pertence. Deixou a Turma em maio de 1997, quando tomou posse como o 35º presidente da Suprema Corte na era republicana e o 46º desde o Império, comandando o poder Judiciário brasileiro no biênio 1997/1999. Foi o mais jovem a presidir o STF até então, aos 51 anos de idade. Como ministro do STF integrou o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em dois momentos, no biênio de junho de 1990 a junho de 1992 e, ainda, de setembro de 2001 a setembro de 2005.
Ao todo, foram 51 anos dedicados ao serviço público e à aplicação do Direito, com início em 1969, quando se formou pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (Largo do São Francisco). A origem de sua carreira está no Ministério Público, quando ingressou após aprovação em primeiro lugar no concurso e onde permaneceu por duas décadas. Atuou como promotor de Justiça criminal, participando de tribunais do júri e também como procurador de Justiça do estado. Passou por Santos, Osasco, São José dos Campos, Cândido Mota, Palmital, Garça e São Paulo (capital) como promotor de Justiça. Já na magistratura, foi juiz em São Paulo em vagas do quinto constitucional reservadas aos integrantes do Ministério Público. Entre 1987 e 1989 foi consultor-geral interino da República, até ser nomeado para o STF.
Momento próprio
Ao reverenciar o homenageado em sua última sessão ordinária, o presidente da Corte, ministro Luiz Fux disse que o ministro Celso de Mello é ponto de equilíbrio nos momentos de instabilidade e farol do Supremo Tribunal Federal”, destacando qualidades de um “juiz visionário e progressista”, e um conciliador sereno e singular, “que proferiu decisões que revolucionaram a jurisprudência do STF”. Razões, segundo Fux, que incluem o ministro Celso de Mello no “rol seleto de ministros que moldaram este Supremo Tribunal Federal”.
Entre seus pares, a trajetória do ministro Celso de Mello se concentra em um legado de afeto e admiração que conquistou ao longo da estrada com sua gentileza, elegância, inteligência, eloquência e memória. Um homem de hábitos simples e fiel às suas raízes fincadas lá em Tatuí (SP), sua cidade natal, onde nasceu em 1º de novembro de 1945. Poderia ter aguardado a aposentadoria compulsória que completar-se-ia no dia de seu aniversário de 75 anos, mas como dono de seu caminho, preferiu aposentar a toga no seu momento próprio e escolheu o dia 13 de outubro. “Quem sabe faz a hora, não espera acontecer. Celso de Mello sempre fez a hora, sempre esteve adiante da hora, jamais esperou acontecer”, disse o ministro Ricardo Lewandowski na sessão de homenagem ao decano, realizada no último dia 7, lembrando refrão da canção de Geraldo Vandré, a qual destacou como “um cântico em homenagem à liberdade”.
Legado de admiração
O decano da atual composição da Suprema Corte é a voz que rebate na defesa do Poder Judiciário e de seus integrantes e que se levanta na salvaguarda da democracia. Mas também é a voz da ponderação. Segundo o ministro Luís Roberto Barroso, o ministro Celso é uma reserva moral, que aconselha e que detém “a palavra que gostamos de ouvir nos momentos difíceis”. O ministro Alexandre de Moraes o destaca “como um símbolo para todos os juízes do país” e “um dos maiores artífices do texto constitucional e da construção da democracia brasileira pós-Constituição de 1988”.
O ministro Edson Fachin o descreve com “um juiz e um jurista fiel a si mesmo”, que poderá ser sucedido no Supremo Tribunal, “mas nunca substituído”, enquanto que a ministra Rosa Weber classifica Celso de Mello como um paradigma inatingível, “que honra a toga que veste e engrandece o Supremo Tribunal Federal”. Destacada para fazer o discurso em nome da Corte, na sessão de homenagem ao decano, a ministra Cármen Lúcia reverenciou sua generosidade, seus votos, lições, conselhos e palavras de mestre. “Celso de Mello é homem que gosta de artes, universaliza conhecimentos, capitaliza aprendizagens e reparte ensinamentos. Por isso é mestre”, disse a ministra.
Historiador
Crítico aos casos de omissão legislativa, vê no chamado “ativismo judiciário” uma ferramenta a ser utilizada no controle de constitucionalidade para a garantia do direito das minorias. Assim, segundo o ministro Gilmar Mendes, notabilizou-se pela defesa dos direitos fundamentais e como “o historiador da Corte”. Para ele, “o ministro Celso exerceu papel-chave em nossa recém instalada democracia, que, ainda permeada pela herança autoritária dos tempos ditatoriais, pouco estava acostumada ao estrito respeito às garantias e aos direitos fundamentais”.
A bagagem jurídica e a densidade de suas decisões e de seus votos também são destacadas por seus pares, como o ministro Marco Aurélio, com quem divide a bancada há três décadas e, para quem o ministro Celso de Mello, “consideradas decisões e votos, tornou-se, na história do Supremo, valor reconhecido por todos”. Segundo o ministro Dias Toffoli, o decano é “maior exemplo vivo das virtudes que devem ser encarnadas por um juiz constitucional”.
Gratidão e afetuosidade
Ao se despedir de seus pares em sua última sessão plenária ordinária da Corte, o ministro Celso de Mello lamentou não mais poder compartilhar, como o fez por 31 anos, “os grandes desafios que esta Nação sempre enfrentou (e ainda continua a enfrentar) e o enriquecedor e ameno convívio com os brilhantes juízes e juízas que compõem o nosso Tribunal”.
O decano fez questão de frisar sua “inabalável fé na integridade e na independência do Supremo Tribunal Federal, por mais desafiadores, difíceis e nebulosos que possam ser os tempos que virão e os ventos que soprarão”. E acrescentou que pertencer à Suprema Corte, mais que o órgão de cúpula do Poder Judiciário incumbido da defesa da Constituição, representa para ele “um verdadeiro estado de espírito”.
Sempre afetuoso com os servidores do Tribunal, fez questão em sua despedida de prestar-lhes homenagem, destacando que sem apoio, suporte, dedicação e responsabilidade desse corpo funcional, “tornar-se-ia difícil, quando não impossível, o desempenho, por esta Corte, de suas altas atribuições institucionais”.
AR/EH